quarta-feira, 11 de setembro de 2013

SÍRIA: UM XEQUE-MATE EM OBAMA?




A Rússia realizou uma jogada de mestre. O acordo de paz apresentado pela diplomacia russa para evitar o ataque norte-americano à Síria colocou Obama na defensiva. A população norte-americana não deseja a guerra, pelo alto custo financeiro e em vidas humanas de um conflito que pode ser ainda mais longo, custoso e imprevisível do que a invasão do Afeganistão e do Iraque, e certamente os parlamentares do Congresso norte-americano, que em breve voltarão a concorrer nas eleições, não podem ficar totalmente insensíveis aos desejos de seus eleitores. Obama encontra-se sob dupla pressão: de um lado, os sionistas e empresários das grandes corporações instigam o ataque militar a Damasco, de outro, sofre a pressão da opinião pública nos Estados Unidos e da Europa contra a guerra. O acordo proposto pela Rússia – e aceito pelo governo sírio – oferece à administração americana uma “saída honrosa” para cancelar – ou pelo menos adiar – a nova agressão imperialista. Para o país árabe, o acordo é vantajoso porque oferece a Bashar Al-Assad  mais tempo para vencer a guerra contra os mercenários, sem privar-se do que há de mais avançado e eficaz em seus meios de defesa – mísseis de todos os tipos, canhões, caças e tanques de alta tecnologia fornecidos pela Rússia. As armas químicas não são eficazes numa guerra convencional; podem causar pânico e terror psicológico em populações civis e deixar sequelas físicas por várias gerações, como acontece ainda hoje no Vietnã, bombardeado com napalm e agente laranja pelos EUA, mas não são armas que garantem o resultado de um conflito (o arsenal nuclear de Israel é infinitamente mais poderoso do que qualquer arsenal químico).  Por outro lado, ao entregar suas armas químicas, a Síria afasta a imagem de “intransigência” associada a ela mídia internacional, mostra à opinião pública que tem boa vontade, quer dialogar e chegar a uma paz duradoura, aceitando inclusive o monitoramento da ONU, em contraste com o discurso agressivo e militarista da administração Bush. Ao entregar as armas químicas, Assad pode provar que não foi o autor do recente ataque realizado nas imediações de Damasco, uma vez que o tipo de gás empregado é diferente do que está disponível nos arsenais sírios, derrubando o principal argumento apresentado por Obama para iniciar a nova guerra de rapina.  Claro: nada disso impede que os Estados Unidos, a Turquia ou Israel ataquem a Síria em curto ou médio prazo, mas essa possibilidade fica mais distante, por várias razões: 1) os Estados Unidos não querem arcar sozinhos com essa responsabilidade, pelo alto custo financeiro de uma guerra regional, que fatalmente contará com a participação do Irã e do Hezbollah ao lado da Síria; 2) a Inglaterra recusou participar da intervenção militar ao lado dos Estados Unidos e na França e Alemanha há forte oposição popular; 3) a presença de frotas navais da China e da Rússia nas proximidades da Síria são peças simbólicas do jogo de xadrez político, mas podem, hipoteticamente, ser mais do que isso; 4) o risco de uma guerra regional se alastrar por Israel e Turquia torna as conseqüências do conflito completamente imprevisíveis. Um ataque cirúrgico dos EUA contra instalações industriais e militares sírias pode ser o início de uma III Guerra Mundial. Por todas essas razões, não é tão fácil para os Estados Unidos desencadearem, sozinhos, uma guerra contra a Síria.

Caso o acordo proposto pela Rússia se concretize, o primeiro significado político desta iniciativa será a derrota dos Estados Unidos em seu objetivo de depor o governo Assad (e vale a pena acrescentar aqui a incapacidade dos mercenários de derrotarem sozinhos o Exército Árabe Sírio e o forte apoio da população síria ao seu presidente e às Forças Armadas). O segundo significado político é a ascensão da Rússia e da China como mediadoras do conflito, disputando protagonismo com os norte-americanos na resolução das questões internacionais, o que altera a correlação de forças no planeta e pode ter novos desdobramentos, com a eventual ação conjunta dos BRICs (e cabe aqui cobrarmos do Brasil que assuma posição mais clara contra qualquer intervenção militar estrangeira na Síria e o respeito à soberania do país árabe).

A solidariedade internacional ao povo da Síria é essencial para isolarmos ainda mais os falcões da Casa Branca e do Pentágono e contribuirmos para a defesa da soberania da Síria. Uma ação decisiva nesse sentido é a organização de grandes atos populares contra a ameaça imperialista, com a participação ativa dos partidos de esquerda, sindicatos, entidades de mulheres e da juventude, como os realizados no início de setembro em sete capitais brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis, Salvador, Fortaleza e Distrito Federal. Está em discussão a organização de um Dia Nacional de Solidariedade ao Povo Sírio e a viagem de uma missão brasileira de solidariedade a Damasco, com representantes de partidos políticos e de entidades da sociedade civil.

Abaixo a agressão imperialista!

Vitória, Bashar!




quarta-feira, 31 de julho de 2013

SÍRIA EXIGE QUE ONU CONDENE ATENTADO TERRORISTA EM DAMASCO

Damasco, (Prensa Latina) A Síria exigiu hoje à ONU a condenação enérgica do atentado terrorista com um carro bomba que matou nesta quinta (25) 10 pessoas e feriu 66, em uma importante praça de Jaramana, localidade da periferia de Damasco.


Em cartas idênticas ao Conselho de Segurança e ao secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o Ministério de Relações Exteriores e Emigrantes demandou à entidade a renovação de sua postura de rejeição ao terrorismo e que exija às partes que apoiam grupos terroristas armados na Síria para suprimirem qualquer apoio logístico e militar.

Além disso, pediu o comprometimento com os convênios internacionais e as resoluções do Conselho de Segurança dirigidos a combater o terrorismo.

Damasco pediu ao Conselho de Segurança que emita uma forte mensagem aos autores do crime onde se evidencie a postura unificada de seus membros frente ao terrorismo, sem dupla moral que anime os extremistas a continuar seus crimes.

O atentado terrorista foi reivindicado pelo Estado Islâmico no Iraque e no Levante, organização filiada à rede terrorista Al Qaeda, e deixou severos danos aos logistas, automóveis, edifícios e moradias dessa região residencial.

A ONU e os Estados Unidos mantêm o grupo dentro da listagem de organizações terroristas.

Desde o início do conflito, há mais de dois anos, o governo sírio tem exigido ao Conselho de Segurança a condenação de cada ato terrorista dos radicais islâmicos filiados aos grupos opositores armados que pretendem o derrocamento pela força do presidente Bashar Al-Assad.

Até o momento, o organismo continua sem emitir uma condenação explícita a tais crimes diante da divergência de seus membros sobre a natureza, composição e propósitos da chamada insurgência armada.

Recentemente, os Estados Unidos aprovou a entrega de equipamento bélico aos irregulares, apesar do perigo de que ditas armas caiam em mãos de fundamentalistas do Estado Islâmico no Iraque e no Levante, que defendem avariar o Estado laico sírio e impor um califado regido pela sharia (lei islâmica).


TROPAS DE ASSAD TOMAM A CIDADE DE HOMS

Uma das maiores cidades da Síria, Homs, foi praticamente tomada pelas tropas de Bashar Assad. Esta vitória do presidente sírio tem uma importância simbólica: os rebeldes consideram Homs a “capital da revolução”. O governo oficial afirma que a libertação da cidade dos opositores armados é um ponto de viragem na guerra civil que dura já há dois anos.

As tropas governamentais continuam a combater os rebeldes em várias regiões do país. A recuperação de Homs foi a sua mais recente vitória. Esta é a terceira maior cidade síria. Ela está agora praticamente toda sob o controle dos militares de Assad.
Dentro de dois-três dias, a cidade deverá ser totalmente “limpa” de rebeldes, informam as autoridades sírias, considerando esta conquista um momento de viragem com influência em toda a futura contraposição com os rebeldes.

Georgui Mirsky, especialista em questões do Oriente Médio, comenta a situação:
“Homs é de fato uma cidade importante. Durante dois anos, as tropas do governo não a conseguiram tomar. Estamos realmente perante um caso único! Durante dois anos, todo um Exército bem armado não conseguiu conquistar uma cidade que era defendida, segundo palavras de Bashar Assad, por um simples punhado de terroristas, bandidos e delinquentes!”

Na opinião de Mirsky, a vitória em Homs, tal como outras campanhas bem-sucedidas do Exército, tem a ver com a entrada do Hezbollah nos combates ao lado de Assad. A guerra na Síria adquire cada vez mais traços de guerra religiosa, ou seja, ela se está transformando num confronto entre sunitas e xiitas.

Por isso, o grupo libanês Hezbollah, constituída por xiitas, considerou como seu dever apoiar o seu irmão Bashar Assad. O resultado foi toda uma série de vitórias militares das tropas governamentais sírias, incluindo a tomada da cidade de Quneitra, conforme explica Evgueni Satanovsky, presidente do Instituto do Oriente Médio.

“As tropas governamentais estão vencendo, em primeiro lugar, devido ao fato de disporem de aviação e blindados. Em segundo lugar, por terem agora mais homens, à custa dos combatentes do Hezbollah, que as vieram ajudar. Trata-se de cerca de oito mil homens, que estão combatendo do lado de Assad. Acontece que, até agora, o Exército tratava exclusivamente de defender os edifícios do Estado, as bases aéreas e as infraestruturas aeronáuticas. Mas quando há um número suficiente de soldados para poder entrar em ofensiva, passa-se à ofensiva”.

Mesmo assim, é ainda prematuro dizer que a vitória das forças de Bashar Assad é um dado adquirido. Por enquanto, a oposição armada tem tido apenas a ajuda das monarquias do Golfo Pérsico. No entanto, os EUA poderão em breve passar a apoiá-la.
Existe apenas uma pequena dúvida. Os americanos receiam com razão que as armas que eles estão prontos a entregar aos rebeldes vão parar às mãos de extremistas islâmicos e não de opositores moderados. Acontece que quem domina atualmente a oposição síria são os radicais da Jabhat al-Nusra e não os representantes do Exército Livre Sírio. Chega-se até a uma situação em que alguns opositores de ontem de Assad acabam por depor as armas, considerando que é melhor o país ser governado por Assad do que por sanguinários de estruturas ligadas à Al-Qaeda.

Tudo isto pode obrigar os EUA a abandonar a ideia de fornecer mísseis portáteis à Síria. Para além disso, conforme sublinhou Evgueni Satanovsky, os americanos estão habituados a apoiar os vencedores e, se as tropas de Assad continuarem a combater com sucesso os rebeldes, os EUA não irão entrar numa guerra perdida à partida.

Fonte: Artiom Kobzev - Rádio Voz da Rússia


TROPAS DE ASSAD E REBELDES LUTAM PARA FICAR COM A MAIOR PARTE DA SÍRIA


Bashar al Assad está tomando Homs das mãos dos insurgentes, depois de os rebeldes terem avançado no norte e no sul da Síria, em uma nova demonstração, na opinião de analistas, de que nenhum dos lados conseguirá se impor e de que a guerra civil levará a uma inevitável divisão do país.
"O regime, que consolidou sua vitória em Homs, controla toda a região que vai de Damasco até as zonas costeiras. Os rebeldes, por sua vez, controlam o norte e o vale do Eufrates (Aleppo, Raqqah, Dayr az Zawr), enquanto os curdos, cada vez mais autônomos, dominam o nordeste", afirmou Karim Bitar, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS).
O governo sírio anunciou na segunda-feira a retomada de um bairro chave da cidade de Homs, terceira maior da Síria e um dos símbolos da revolta, após uma ofensiva violenta que durou um mês
Esta foi a segunda vitória do regime em menos de dois meses. Em 5 de junho, o exército tomou Quseir (no centro-oeste), cidade da província de Homs, que foi controlada pelos rebeldes por um ano.
Porém, ambos os lados acumulam vitórias e derrotas. Antes de Homs, nas últimas semanas, os rebeldes haviam avançado na região de Daraa (sul) e na província de Aleppo (norte), tomando a cidade de Jan al Asal, depois de terem matado 150 soldados, de acordo com uma ONG.
Enquanto isso, os curdos, que representam 15% da população, tentam conquistar um território autônomo no norte da Síria, sob o olhar preocupado da Turquia.
"Por isso, as posições não devem mudar muito imediatamente e já estão bastante claras, à espera de uma eventual Cúpula de Genebra 2", organizada por Washington e Moscou, disse Bitar.
"Mas quanto mais tarde esta cúpula for realizada, mais a unidade do Estado sírio estará ameaçada, uma vez que já podem ser vistas hoje leis diferentes, bandeiras diferentes, economias locais e governos locais", acrescentou.
Segundo ele, "não se visualizam os incentivos que seriam oferecidos às diferentes partes durante as negociações para fazê-las abrir mão das suas conquistas atuais".
De acordo com os analistas, a tomada de um bairro ou de uma localidade já não significa uma vitória real para nenhum dos lados.
"É preciso encarar os fatos: chegamos a um ponto morto e cada vitória do poder ou da oposição é uma vitória com um custo devastador. Ganhar hoje vários quilômetros quadrados não resolve nada", avalia Jatar Abu Diab, especialista em Oriente Médio da Universidade Paris-Sud.
"O Ocidente impede a vitória do regime, enquanto a Rússia, a China e o Irã fazem o mesmo em relação à oposição. Portanto, não haverá nem vencedor nem vencido", acrescenta.
De acordo com o cientista político, "o conflito sírio se transformou em um foguete de três estágios: o nível local, o regional e o internacional, tendo no topo os russos e os norte-americanos."
Apesar do otimismo do secretário de Estado, John Kerry, a realização de Genebra 2 parece difícil devido às divergências em relação à sua finalidade e aos seus participantes.
"Sem um acordo global entre russos e americanos, nada será resolvido, e isso requer um compromisso pessoal dos presidentes Barack Obama e Vladimir Putin, já que estamos em um conflito onde se projeta a face do Oriente Médio para os próximos anos, se não para as próximas décadas ", disse Abu Diab.
Para Rami Abdel Rahman, diretor do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), uma ONG com sede na Grã-Bretanha que obtém informações de uma ampla rede de ativistas e médicos na Síria, cada lado acredita que pode prevalecer, "o que seria uma ilusão".

"Os Estados que dão armas aos rebeldes crendo que assim podem criar um equilíbrio na luta não são sérios. Preferem uma divisão", conclui.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Obama: a vitória já lhe escapou, na Síria


21/5/2013, Jeremy Salt*, Al-Ahram Online, Cairo 

A realidade – que não aparece nos veículos da imprensa-empresa mundial – é que as forças ‘rebeldes’ estão já em colapso e que o regime de Assad impôs-se contra as gangues armadas por estrangeiros que invadiram a Síria. Assad e seu governo estão vencendo a guerra. Assim sendo, o que fará o ocidente? 

Por mais que repita que ‘todas as opções estão sobre a mesa’, Barack Obama já tenta claramente se afastar de qualquer envolvimento mais profundo na Síria, agora que já se vê que só um ataque direto, intervenção com ocupação militar, conseguirá derrubar o governo de Damasco. Só nos últimos meses, as gangues armadas perderam milhares de homens. Embora o conflito ainda se prorrogue por algum tempo, não há dúvida, entre os especialistas, de que o Exército Sírio está já muito próximo de controlar completamente o levante.

Os patrocinadores dessa aventura estão em total confusão. Como, antes, a Coalizão Nacional Síria já implodira, agora também o Conselho Nacional Sírio já implodiu. Muaz Al-Khatib já é voz apenas marginal. Ghassan Hittu é o único ser no planeta a ostentar o título de primeiro-ministro de um comitê. Toda essa gente é causa completamente perdida.

No mundo real, não no mundo dos delírios, há um vídeo de horror em que se vê um comandante ‘rebelde’ que corta o peito e come, ou pelo menos morde, o coração de um soldado morto. Discute-se se seria um pulmão, talvez o fígado. Os jornais parecem inseguros; dão a impressão de que seria importantíssimo identificar com precisão o exato órgão mastigado. Longe de tentar negar a autoria do ato canibalesco, o perpetrador assume e apropria-se dele e vangloria-se de como retalhou, em pedaços, vários cadáveres de shabihas. 

O canibalismo parece ser a mais recente inovação, mas a verdade é que não há o que os psicopatas armados das incontáveis gangues não tenham feito dentro da Síria. Ou, talvez, não se devesse chamar de psicopatas homens capazes de fazer o que fizeram? Afinal, quem mais se deixaria arregimentar para guerra tão absolutamente sem sentido, além de psicopatas? 

O autodefinido Exército Sírio Livre diz que caçará o homem que arrancou o coração do soldado. Ótimo. Que cace também os ‘rebeldes’ cortadores de gargantas e ‘rebeldes’ degoladores em geral. Que cace os ‘rebeldes’ que assassinaram funcionários públicos, antes de jogar os cadáveres pelas janelas do prédio dos correios em Al-Bab. E aproveite para caçar também seus próprios companheiros de armas que deliberadamente jogam carros-bomba contra civis. 

E que não se esqueça de caçar os assassinos do imã e de 50 fiéis que rezavam numa mesquita em Damasco. E, ainda, os estupradores e sequestradores, inclusive os chechenos que sequestraram dois bispos ainda mantido em cativeiro em Aleppo, enquando os líderes cristãos dos governos ocidentais fingem que nada têm a ver com aquilo. Na caçada dos bandidos que macularam a gloriosa reputação do Exército Sírio Livre, aliás, nem é preciso procurar muito longe, porque há inúmeros bandidos bem ali, nas próprias fileiras. Provas não faltam. A imprensa tem vasta coleção de macabros vídeos nos telefones celulares e câmeras de mão, imagens de rostos muito facilmente identificáveis, porque eles se orgulham muito do que fizeram e querem exibir-se para o mundo. Essa é a gente que a Arábia Saudita e o Qatar dedicaram-se a armar pesadamente, e carregaram de dinheiro, para que tomassem a Síria.
Essa é a realidade por trás da narrativa de ficção e mentiras que a empresa-imprensa global distribuiu para o mundo ao longo dos últimos dois anos. Nenhum jornalismo: só a regurgitação de cada mentira, de cada exagero, de cada distorção produzida por ‘ativistas’ e pelo chamado Observatório Sírio de Direitos Humanos, de Londres – segundo o qual o “regime’ sírio estaria sempre a ponto de desabar, várias vezes por dia; e todas as atrocidades eram sempre, sempre, obra dos soldados sírios. Exceto por alguns poucos artigos assinados recentemente por Robert Fisk, praticamente nenhum veículo de nenhum grande grupo da imprensa-empresa comercial no mundo ocidental noticiou eventos e comentou o conflito do ponto de vista do exército e do governo da Síria. 
Jornalistas eram conduzidos através da fronteira por grupos ‘rebeldes’ e só faziam repetir o que os tais ‘rebeldes’ (eventualmente, canibais) lhes contavam. É como acreditar em tudo que escreviam os ‘jornalistas’ incorporados às tropas do exército dos EUA, como se o que relataram fosse o que realmente acontecia no Iraque. E, também como no Iraque, repetem agora a mesma propaganda sobre “armas químicas”.
Até que, afinal, a mentira sucumbiu, e a realidade apareceu. Quem está em colapso não é o governo de Assad, mas os ‘rebeldes’. Daqui em diante, só a intervenção militar armada e direta, com coturnos em solo, conseguirá salvar os ‘rebeldes’. Mas, com o governo sírio já contando com sólido apoio dos russos... não será fácil pôr coturnos norte-americanos em solo sírio. Obama continua pressionado para “fazer mais”, mas não dá qualquer sinal de interesse em deixar-se sugar ainda mais para o fundo do pântano criado pelos seus ‘rebeldes’ na Síria. E outros não darão nem meio passo, se os EUA não marcharem à frente. A Alemanha já se declarou contra qualquer envolvimento; a Áustria disse que já está fornecendo armas aos ‘rebeldes’, o que a Grã-Bretanha gostaria de ter feito, e que, antes do fim do embargo na União Europeia, que terminará dia 31 de maio em curso, é violar leis internacionais.

Essa semana, todos os holofotes concentraram-se sobre o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e a viagem que fez a Washington para discutir a Síria com Barack Obama. A Turquia teve papel central no desenrolar do conflito sírio. Arábia Saudira, Qatar e Libya forneceram dinheiro e armas, mas foi a Turquia, cujo território ficou aberto para a mobilização de gangues armadas que cruzavam a fronteira para depor o “regime”. Erdogan não se afastou um passo da posição que assumiu contra Bashar Al-Assad há mais de dois anos. O único caso claro de uso de arma química em ataque foi o composto de cloro embalado numa ogiva e disparado contra um posto do Exército Sírio em Khan Al-Assal, que matou vários soldados e civis. Mas Erdogan continua a repetir que foi o Exército Sírio que usou armas químicas e que, ao fazê-lo cruzou a tal “linha vermelha” que Obama inventara. Perguntado, pouco antes de partir para Washington, se apoiaria a implantação de uma zona aérea de exclusão, respondeu: “Desde o início diríamos que sim.” 
Semana passada, carros carregados com mais de uma tonelada de C4 e TNT foram explodidos na província de Hatay, na cidade fronteiriça de Reyhanli. Foram mortas, no mínimo, 51 pessoas. A destruição foi massiva. Prédios da administração municipal e dúzias de lojas ficaram soterrados nos escombros. Na sequência, carros com placas sírias foram destruídos e refugiados sírios atacados por grupos da região, enfurecidos. Enquanto destruíam, amaldiçoavam Erdogan. A atrocidade seguiu um padrão já familiar aos sírios: uma primeira explosão e em seguida, quando as pessoas se aproximam para socorrer os feridos da primeira explosão, a segunda bomba, para aumentar o número de vítimas.

Apesar de o governo turco ter declarado que teria sido trabalho de um grupo terrorista que colaboraria com a inteligência (mukhabarat) síria, só as gangues armadas ou um dos governos que as apoia teria algum motivo para cometer tamanha violência. O Exército Sírio está cercando os ‘rebeldes’, o “conselho dos traidores” baseado em Doha já implodiu, e norte-americanos e russos estão sentando para conversar. Aquele ataque foi claramente planejado e executado para atrair a Turquia diretamente para o conflito, através da fronteira.

O ataque contra Reyhanli aconteceu uma semana depois que Israel lançou uma série de ataques selvagens contra a Síria. Não foi simples ataque de um míssil. Dois ataques em três dias, durando cada um várias horas, com bombardeio cerrado em torno de Damasco, sugerem fortemente que o objetivo era provocar resposta dos sírios, o que abriria a porta para guerra generalizada, na qual até o Irã poderia ser atacado. Israel alegou que o alvo seria um carregamento de mísseis destinados ao Hizbullah, mas, embora um centro de pesquisa e uma fábrica militar de produção de alimentos tenham sido atingidos, não se viu nem sinal de que algum míssil tivesse sido destruído. Os ataques revelaram-se fracasso político e estratégico. Imediatamente, na sequência, Putin aplicou “uma carraspana” em Netanyahu e o castigou, ou fornecendo ou ameaçando fornecer à Síria mísseis antiaéreos avançados S300. Só a insuperável arrogância do governo israelense explica que tenha insistido que outros ataques viriam, se necessários, e que destruiriam o governo sírio, caso houvesse retaliação.
Obama está agora sob pressão doméstica para “fazer mais”. Em Washington, os mesmos que clamavam por guerra contra o Iraque clamam pela ampliação do conflito na Síria. O senador Bob Menendez, empenhado apoiador de Israel, como virtualmente todos os congressistas, apresentou projeto de lei que autoriza o governo dos EUA a fornecer armas aos ‘rebeldes’ (como se os EUA já não estivessem fazendo exatamente isso clandestinamente, diretamente ou usando a Arábia Saudita e o Qatar).  O ex-editor do New York Times, Bill Keller, apoiou abertamente a guerra do Iraque e agora quer também que os EUA armem “os rebeldes” e “defendam os civis ameaçados de ser massacrados dentro das próprias casas” na Síria. Não fala, é claro, dos civis massacrados pelas gangues já armadas.

O Washington Post acabou por ter de admitir que o Exército Sírio está em marcha vitoriosa para controlar o conflito, mas nem por isso desiste de tentar mudar o rumo dos acontecimentos. “E se os EUA não intervierem na Síria?” pergunta em editorial, para poder responder-se, o jornal a ele mesmo: a Síria será fraturada, partida em várias áreas sectárias; a Frente Jabhat Al-Nusra assumirá o controle no norte e “remanescentes do regime” ficarão com faixas na parte oeste. A guerra sectária se espalhará e alcançará o Iraque – como se isso já não tivesse acontecido, consequência da invasão norte-americana – e o Líbano. Armas químicas cairão em mãos erradas, “o que provavelmente forçará Israel a intervir, para impedir que cheguem às mãos do Hizbullah ou da Al-Qaeda”. E, se os EUA não intervierem logo, para impedir que tudo isso aconteça, Turquia e Arábia Saudita “poderão concluir que os EUA já não são aliado confiável”.[1]
Há outras respostas muito mais prováveis àquele “o que acontecerá”. O Exército Sírio expulsará do território sírio os “rebeldes” sobreviventes; e Bashar resultará ainda mais popular do que antes, depois de ter enfrentado com sucesso o maior desafio que se impôs ao Estado sírio em toda a sua história. Haverá eleições em 2014. Bashar será eleito presidente com 75% dos votos. Essa, pelo menos, é a previsão da CIA.
Erdogan chegou a Washington também desejando que Obama “faça mais”, mas é mais do que claro que o presidente dos EUA não quer fazer coisa alguma, muito menos, mais. A imprensa-empresa turca noticiou que Obama dissera que Assad “tem de” sair [orig. “must”], mas não foi o que Obama disse. Obama escolheu muito atentamente cada palavra. Na conferência de imprensa ao lado de Erdogan, ele não disse que Assad “tem de” sair; disse que Assad “precisa” [orig. “needs”] ir e “precisa” transferir o poder para um corpo transicional. É diferença absolutamente importante. Pessoalmente, Obama não quer chegar ao fim de seu governo afundado numa guerra impopular, que os EUA não vencerão, guerra que, além do mais, pode muito rapidamente extrapolar o plano regional e converter-se em crise global. 
Pesquisa recente do Instituto Pew mostrou que o povo norte-americano já não tolera guerras no Oriente Médio. E a conversa entre Kerry e Lavrov indica que, dessa vez, já deixado para trás o Acordo de Genebra de julho de 2012, os EUA estão seriamente interessados em negociar um fim para a crise na Síria, mesmo que outros não considerem ainda sequer essa possibilidade. Se há alguma ameaça a pesar contra a posição dos EUA, o mais provável é que esteja crescendo entre seus amigos e aliados. 
* Jeremy Salt é professor associado de História e Política do Oriente Médio, na Bilkent University, em Ancara, Turquia.


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Inteligência alemã prevê vitória do governo no conflito sírio



O chefe do serviço de inteligência estrangeira da Alemanha (BND), Gerhard Schindler, considera que o Exército da Síria será capaz de obter a vitória definitiva contra os grupos rebeldes antes do final de 2013.

Segundo o chefe da inteligência alemã, no momento o governo do presidente Bashar al-Asad é mais estável do que antes

A edição digital do jornal alemão Der Spiegel informou na última quarta-feira (22) que Schindler, durante suas declarações perante oficiais de segurança mudou de opinião a respeito do que dissera no verão passado, quando fez a previsão de que o governo de Damasco cairia no começo de 2013.

Schindler declarou que os grupos armados na Síria, que incluem filiados à Al-Qaeda, enfrentam dificuldades extremas em sua guerra.

A autoridade alemã considerou que os diferentes grupos armados lutam entre si, para controlar certas zonas, e destacou a falta de uma rede funcional de comando entre os líderes da oposição síria, apoiada pelos estrangeiros, e seus elementos armados dentro do país, ao apontar que cada novo conflito debilita mais os rebeldes.

O chefe do BND prognosticou também que em finais de 2013, o Exército sírio retomará o controle do sul do país se a situação permanecer como nas últimas semanas.

Schindler manifestou que os militares conseguiram cortar as linhas de abastecimento de armas e as rotas de evacuação dos rebeldes feridos para os países vizinhos.

Cabe mencionar que, durante os últimos dias, as forças de segurança sírias provocaram grandes perdas entre os grupos armados no estratégico distrito de Al-Qusair, perto da fronteira com o Líbano .

Por sua parte, Al-Asad enfatizou na quinta-feira (23) sua determinação de continuar a luta contra o terrorismo, enquanto reiterou que a crise em seu país deve ser resolvida pelas vias políticas.

A Síria, desde meados de março de 2011, vive uma onda de violência organizada e patrocinada por alguns países do Ocidente e da região do Oriente Médio, cujo objetivo é culpar o governo de Damasco pela crise e possibilitar uma intervenção militar estrangeira.

Fonte: Hispan TV

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Bashar al Assad, líder sírio: “Renunciar seria fugir; o povo é quem decide se eu fico, não os EUA.”


Por Marcelo Cantelmi

Damasco. Enviado Especial - 19/05/13

Na entrevista para o Clarin, líder sírio rejeitou a possibilidade de sair de cena como forma de encerrar a crise. Negou o uso de armas químicas e coloco em dúvidas o número de 70.000 mortos dado pela ONU.


Bashar Al Assad, o homem forte de Síria, possui um olhar tranquilo que contrasta com o lugar que a história lhe reservou. Ou tal vez não seja calma porque também parece que seu olhar está aprisionado num assombro que não acaba. Nesta extensa entrevista, a primeira com a mídia hispana desde o início da guerra, Assad manteve esse olhar para negar qualquer possibilidade de renúncia, negar as denúncias de uso de armas químicas e até questionar o número de 70.000 mortos denunciado pela ONU. A reportagem foi feita num palácio em Damasco, enquanto se ouvia o som da artilheria e o disparo dos morteiros à distância.

- Por que a crise síria tem se prolongado e aprofundado de forma diferente do que aconteceu nos outros países árabes?


- Múltiplos elementos internos e externos tem contribuído para aprofundar a crise, o principal é a intervenção estrangeira e depois porque os cálculos dos países que queriam intervir na Síria foram mal feitos. Eles pensaram que o plano poderia ser implantado em questão de semanas ou meses, mas isso não aconteceu, o que tem acontecido é que o povo sírio está resistindo e vamos continuar resistindo. Para nós se trata da defesa da nossa pátria.

- Sabe que segundo a ONU esta guerra já provocou mais de 70.000 mortos?


- Teríamos que perguntar aos que apresentam estas cifras sobre a credibilidade de suas fontes. Toda morte é horrível, mas muitos dos mortos são estrangeiros que vieram a assassinar o povo sírio. E também não podemos esquecer que tem muitos sírios desaparecidos. Qual é o número de sírios mortos e qual o número dos mortos estrangeiros? Quantos desaparecidos há? Não podemos dar uma cifra exata. E obviamente essas cifras mudam constantemente pois os terroristas matam e muitas vezes enterram suas vítimas em valas comuns.

- Descarta que pode ter havido uso de força excessiva e desproporcional por parte de suas tropas na repressão?

- Como podemos determinar se houve força excessiva ou não? Quais seriam os parâmetros? É pouco objetivo falar nesses termos. Cada um responde de acordo ao tipo de terrorismo que tem que enfrentar. No começo era terrorismo local, depois começaram a receber cada vez mais apoio estrangeiro e o tipo de armas que recebiam mudou, eram armas mais sofisticadas. O debate aqui não é o volume da força utilizada, ou o tipo de armamento, senão o volume do terrorismo que estamos sofrendo  e consequentemente como devemos reagir.


- Não houve, no início da crise, a possibilidade de um diálogo para evitar este desenlace?


- No começo da crise as demandas eram reformistas, mas isso era apenas aparentemente, uma fachada ou camuflagem para que pareça que se tratava de uma simples questão de reformas. Fizemos as reformas, mudamos a Constituição, mudamos as leis, acabamos com o estado de emergência e anunciamos um diálogo com a oposição, mas a cada passo que dávamos mais se incrementava o terrorismo. A pergunta que cabe é: Qual é a relação entre terrorismo e reformismo?


- O que responde?


- O terrorismo não pode ser o caminho para as reformas. Que relação tem um terrorista checheno com as reformas em Síria? Que relação tem um terrorista vindo do Iraque, do Líbano ou do Afeganistão com as reformas em Síria? Ultimamente temos registrado 29 nacionalidades diferentes combatendo em Síria. Qual é a relação entre eles todos e o reformismo interno? É algo que não tem lógica! Temos feito reformas e temos iniciativa política para o diálogo. A base para qualquer solução política é o que quer o povo sírio e isto se rege pelas urnas. Não tem outra forma. Em relação ao terrorismo, ninguém quer dialogar com o terrorismo. O terrorismo agiu também em EUA e Europa e nenhum governou dialogou com os terroristas. Se dialoga com forças políticas, não com terroristas que degolam, matam e usam armas químicas.


- O senhor denuncia a existência de milícias estrangeiras em Síria mas garantem que há também combatentes do Hezbollah e do Irã.


- Síria, com seus 23 milhões de habitantes, não precisa de apoio humano do pais que seja. Temos exército e forças de segurança. Não precisamos do Irã ou do Hezbollah para isso. Não temos combatentes de fora de Síria. Tem sim, pessoas aqui do Hezbollah e do Irã mas eles tem vindo ao país desde antes da crise.

- Entre as reformas da Constituição que comenta existe uma que contemple a liberdade de imprensa?

- Talvez saiba que temos uma nova lei de imprensa que foi decretada junto com um pacote de leis...


- Não.Partimos do princípio maior que é o diálogo entre as forças políticas. Este diálogo conduziria a uma Carta Magna que exige um referendo popular. Esta Constituição dará maiores liberdades. As leis serão feitas baseadas na nova Constituição e obviamente inclui liberdade política e de imprensa. Mas não se pode falar em liberdade de imprensa sem que exista liberdade política em geral.


- Como avalia a conferência sobre Síria planejada para finais deste mês por Rússia e EUA?

- Vemos com bons olhos a aproximação russo-americana e esperamos que isto signifique um encontro internacional para ajudar aos sírios. Mas não acreditamos que muitos países ocidentais desejem verdadeiramente uma solução para a Síria. Não acreditamos que as forças que prestam apoio aos terroristas desejem uma solução. Nós apoiamos esta aproximação (Rússia-EUA) e a aplaudimos mas devemos ser realistas. Não pode haver uma solução unilateral em Síria, é preciso de duas partes ao menos.


-São as forças que o combatem ou as grandes potências que não querem uma solução?

- Na prática essas forças opositoras estão vinculadas a países estrangeiros e por tanto não tem decisão própria. Vivem do que é enviado de fora, recebem verbas e fazem o que é decidido por esses países. Ambos são a mesma coisa e são eles que anunciaram que não desejam diálogo com o estado sírio, isto foi dito por última vez na semana passada.


- Quando se fala em diálogo a quem se refere no outro bando?

- Nós optamos pelo diálogo, com quem quera dialogar, sem exceção. Sempre e quando Síria tenha sua decisão livre e soberana. Mas isto não inclui os terroristas ou estados que dialogam com terroristas. Quando se deponham as armas e se acuda ao diálogo não teremos problemas. Acreditar que uma conferência política vai deter o terrorismo é irreal.


- Que possibilidade há de que o diálogo inclua essas forças externas como EUA, por exemplo, que supostamente apoiam essas pessoas (terroristas)?

-Nós já dizemos, desde o começo, que dialogamos com qualquer força do pais ou do exterior com a condição de que não empunhem armas. Essa é a única condição. Não temos outras condições para o diálogo. Inclusive tem forças que são procurados pela justiça mas optamos por não tomar nenhuma medida contra ninguém para deixar espaço para o diálogo e ouvir todos os setores. Será o povo sírio quem vai decidir quem é patriótico e quem não é. Nunca dissemos que queríamos a solução que fosse conveniente para o governo, não queremos impor o que nós pensamos como o melhor. Essa solução cabe ao povo sírio.

-Com relação à conferência internacional ...

- Para nós, o aspecto básico a tratar em qualquer conferência internacional é deter o fluxo de dinheiro e de armas a Síria e deter o envio de terroristas que vem da Turquia com financiamento de Qatar e outros estados do Golfo como Arabia Saudita. Enquanto existam países como Qatar e Turquia que não tem interesse em deter a violência na Síria, ou na busca de uma solução política, o terrorismo continuará.


- Onde coloca Israel nesta crise?

- Israel apoia diretamente e por duas vias aos grupos terroristas, presta apoio logístico e os instrui sobre quais devem ser os locais que devem atacar. É por isso que os terroristas atacaram uma estação de radar do sistema de defesa antiaérea que detecta qualquer avião que vem de forma, especialmente desde Israel.


- No caso do diálogo avançar é possível falar num calendário para a entrega de armas por parte da oposição?

- Eles não são uma entidade, são grupos e bandos. Não são dezenas mas centenas. São uma mistura, cada grupo tem seus líderes. São milhares e quem pode unificar milhares de pessoas? Esta é a pergunta. Não podemos falar de um calendário quando fica difícil saber com quem lidamos. Se eles tivessem uma estrutura unificada então poderíamos dar uma resposta a esta pergunta.


- Está disposto a sair de cena para conseguir uma solução definitiva? Está disposto a renunciar?

-Minha permanência ou não, depende do povo sírio. Não da minha decisão pessoal de ficar ou sair. É uma decisão do povo. Se eles querem se fica, se não se sai. O tema depende da Constituição, das urnas. Nas eleições de 2014 o povo decidirá.


- Já considerou a alternativa de se demitir como condição para o fim do conflito?

-Sou um presidente eleito e é o povo quem decide minha permanência. Agora, que alguém diga que o presidente sírio tem que sair porque EUA quer ou os terroristas o exigem é inaceitável.

-Barack Obama tem dado sinais que não considera provável intervir no seu pais mas seu ministro, John Kerry, afirmou que qualquer acordo deve incluir sua saída do cargo.

- Não sei se Kerry ou outro tem recebido um mandato do povo sírio para falar em nome desse povo, sobre quem deve sair ou ficar. Temos dito reiteradamente que qualquer decisão em relação às reformas em Síria ou qualquer ação política são decisões sírias e não está permitido nem a EUA, nem a nenhum outro estado, intervir nelas. Somos um estado independente e não aceitamos que ninguém nos defina o que devemos fazer, nem EUA, nem ninguém. Por tanto essa possibilidade a determina o povo sírio. Iremos a eleições, apresentaremos candidatos e está a possibilidade de vencer ou não. Então não se pode ir a essa conferência e decidir antecipadamente algo que o povo ainda não decidiu. Outro aspecto é: o pais está em crise e quando o barco se encontra no meio de uma tormenta, renunciar significa fugir. Devemos devolver o barco ao lugar correto e então se decidirão as coisas. Não sou uma pessoa que foge de suas responsabilidades.


- França, Inglaterra e o próprio Kerry denunciaram que seu exército usou armas químicas, gás sarin, contra a população civil...

-Não devemos perder tempo com essas declarações. As armas químicas são armas de destruição massiva. Estão dizendo que as usamos em zonas residenciais. Se uma bomba nuclear fosse jogada sob uma cidade e o saldo fosse de dez ou vinte pessoas por acaso daria para acreditar? Usar armas químicas em zonas residenciais significa assassinar milhares ou dezenas de milhares em minutos. Quem poderia esconder algo dessa dimensão?


- A que se deve essa denúncia, então?

- Este tema das armas químicas surgiu quando os grupos terroristas em Aleppo e Khan Al-Assal fizeram uso desse tipo de armas. Recolhemos as provas: o míssil usado e as substâncias químicas. Analisamos essas substâncias e enviamos uma carta ao Conselho de Segurança da ONU para que enviaram uma missão para verificar. EUA, França e Inglaterra se viram numa situação constrangedora e disseram que queriam enviar uma missão que investigue sobre armas químicas em outras regiões onde eles alegam que foram usadas. Fizeram isso para não ter que investigar o local onde realmente aconteceu o fato. Um membro dessa comissão, Carla Ponte, anunciou que foram os terroristas que usaram as armas químicas mas nem a ONU deu ouvidos a essa declaração.


- Acredita que essa denúncia poderia abrir caminho para uma intervenção militar em Síria?

- Se este assunto se usa como preliminar para uma guerra contra Síria é possível. Não esquecemos do que aconteceu no Iraque. Onde estavam as armas de destruição em massa de Sadam Hussein? Ocidente mente e falsifica para desatar guerras, é o seu costume. Obviamente qualquer guerra contra Síria não será fácil, não será uma excursão. Mas não podemos descartar a possibilidade que nos ataquem e iniciem uma guerra.


- Em que se baseia?

- Fomos bombardeados por Israel. É uma possibilidade vigente especialmente depois que conseguimos desarticular os grupos armados em muitas regiões da Síria. Então, esses países encomendaram a Israel que fizessem isso para elevar a moral dos grupos terroristas. Supomos que em em algum momento se produzirá algum tipo de intervenção mesmo que seja limitada.


- Está dizendo que tem controle sobre a situação mas enquanto conversamos se ouve o estrondo de artilharia na periferia da cidade.

- O termo controlar ou não controlar se usa quando se livra uma guerra com um exército estrangeiro. Mas a situação é totalmente diferente. Os terroristas invadem regiões dispersas e depois fogem para outras regiões. Se movem em regiões amplas e obviamente nenhum exército no mundo consegue estar presente em todos os cantos.


- Acredita realmente que os americanos cooperam com Qatar ou Arabia Saudita para que tome o poder um regime ultra-islâmico wahabita em Síria?

- A Ocidente só importa que os governos sejam leais. Eles querem governos servis que façam o que eles querem independentemente de sua forma. Mas o que aconteceu no Afeganistão refuta isso. Eles apoiaram o Talibã e o 11-S pagaram um preço altíssimo. O perigo disto é que os estados wahabitas querem difundir o pensamento extremista em toda a população e em Síria temos um Islã moderado e resistiremos a isso com todos os meios.


- Nas eleições presidenciais de 2014 haverá observadores internacionais e será permitido o livre acesso da imprensa mundial para cobrir o evento?


- Para ser sincero, o tema dos observadores internacionais é uma decisão do pais pois uma parte do povo não tolera a ideia de que exista esse monitoramento por uma questão de soberania nacional. Não temos confiança em Ocidente para essa tarefa. Se aceitamos que venham observadores serão de países amigos como Rússia ou China, por exemplo.

-China?

- ...

- Na entrevista que Clarin fez com o senhor em Buenos Aires, falou com firmeza que rejeitava a ideia de negar o Holocausto como o faz o Irã. Ainda defende essa posição?

- Por que falar do Holocausto e não do que acontece na Palestina, ou do milhão e meio de iraquianos assassinados? O Holocausto é uma questão histórica que precisa de uma visão mais ampla e não ser usado como uma questão política. Não sou um historiador para determinar o que é exato nesse tema. As questões históricas dependem de quem as escreve, e por isso as vezes a história é distorcida.

- Desculpe mas existe alguma autocrítica que gostaria de formular?

-Não há lógica em fazer autocrítica em acontecimentos em processo. Se alguém vê um filme não o critica antes deste terminar. Quando o quadro esteja completo veremos ou que corresponde ou não, criticar.


- Para terminar, tem alguma informação sobre o paradeiro dos jornalistas James Foley, um americano desaparecido há 6 meses aqui e do italiano Domenico Quirico de La Stampa, perdido há um mês aproximadamente?

- Tem jornalistas que ingressaram a Síria de forma ilegal, em regiões onde estão ativos os terroristas. Houve alguns casos de tropas que conseguiram liberar jornalistas que estavam sequestrados. Em todo caso, quando dispomos de informação sobre qualquer jornalista que ingressou ilegalmente, nós informamos ao pais em questão. E até o momento não temos nenhuma informação dos jornalistas dos quais está falando.